4 Dramaturgos na Tela

CURSO ONLINE

4 Dramaturgos na Tela

Tennessee Williams, Arthur Miller, Nelson Rodrigues e Plínio Marcos

Profa. Luíza Zaidan

“Se por cinema entende-se a liberdade de ação em relação ao espaço, e a liberdade do ponto de vista em relação à ação, levar para o cinema uma peça de teatro será dar a seu cenário o tamanho e a realidade que o palco materialmente não podia lhe oferecer”. (BAZIN, 2014, p. 164). 


São inúmeros os diálogos possíveis entre teatro e cinema. Dramaturgos de diversos períodos e nacionalidades já foram arrastados para dentro da tela em experiências por vezes instigantes, por outras comprometedoras. No texto Teatro e Cinema (1951), André Bazin olha para o reduto das tradições teatrais fincado bem na origem da cinematografia. O autor defende a impureza do cinema (irmão caçula das artes visuais, da literatura, da fotografia e, claro, do teatro) e as consequências de se adaptar dramaturgia para a linguagem cinematográfica. No entanto, cabe aqui uma distinção entre “teatro filmado” e adaptações que resultam em uma produção autônoma em relação a sua obra original.


Analisando o trabalho de quatro dramaturgos de contextos diferentes - dois brasileiros e dois estadunidenses - o curso traz uma reflexão sobre suas adaptações para o cinema, buscando traçar um panorama sobre o confronto entre as linguagens e as estratégias abordadas em cada longa-metragem. Tomando como ponto de partida o texto de Bazin, será possível pensar nos desafios de produzir, roteirizar e filmar dramaturgias de Arthur Miller, Tennessee Williams, Nelson Rodrigues e Plínio Marcos. Trata-se de autores relativamente contemporâneos, mas de obras singulares, que deixam transparecer, em cada peça, seu estilo único. Em comum, todos têm o poder de construir um universo imagético rico, estampado em suas rubricas e nos diálogos das personagens: um vasto material para filmes por vezes tão autorais quanto as peças dos quais se originaram.


O que Bazin buscava ao definir este cinema impuro é um tipo de adaptação que respeite as convenções teatrais (a primazia do texto, o uso do espaço) sem se negar ao específico cinematográfico. Uma obra capaz de friccionar as duas linguagens e extrair o melhor de ambas. Para isso, é preciso que o diretor ou a diretora se posicione em posto análogo à primeira fila da plateia, colada ao proscênio, apontando sua câmera para uma mise-en-scène menos ostensiva, que dê autonomia ao espectador. Os longas que serão analisados encontram meios variados para aderir ou negar a proposta baziniana. Lendo trechos das peças e assistindo aos filmes, poderemos percorrer um caminho transversal entre diferentes exercícios de adaptação, analisando as soluções de mise-en-scène, as decupagens, a montagem e o jogo dos atores em cada uma das releituras.

Programa

27/09: Aula 1

Arthur Miller: um antiamericano na Broadway e em Hollywood

O dramaturgo Arthur Miller sempre sustentou uma relação íntima com o cinema: fez ponta como ator, assinou roteiros e colaborou em produções. Sem falar em seu casamento com a maior estrela de todos os tempos: Marilyn Monroe. Suas peças foram diversas vezes adaptadas para as telas, mas nem sempre com a sua aprovação. No teatro, Miller se tornou conhecido pela crítica ao pensamento estadunidense e por seus textos de inclinação trágica, que exploram relações familiares em meio a um contexto social determinante. A esfera do público e do privado aparecem imbricadas em obras como A Morte do Caixeiro Viajante (1949). Nela, o conflito de gerações entre o protagonista Willy Loman e seu filho é permeado pela situação econômica do país, após a Crise de 1929. No primeiro encontro, vamos analisar a adaptação de László Benedek (1951) e a de Volker Schlöndorff (1985), com Dustin Hoffman no papel principal. Por fim, poderemos discutir a releitura de Panorama visto da Ponte (Sidney Lumet, 1962), o longa mais fiel ao estilo Miller.


04/10: Aula 2

Arthur Miller: Três décadas de bruxas

Miller respondeu rápido às empreitadas do macarthismo que reviravam a Hollywood dos anos 1950, perseguindo artistas supostamente envolvidos com o comunismo. O dramaturgo foi buscar nos autos da caça às bruxas, nos idos de 1690, a metáfora para falar sobre a inquisição do seu tempo. As analogias de As Bruxas de Salém escaparam à censura e Miller pôde escrever um estudo profundo sobre a fragilidade da justiça e a inexistência de uma verdade absoluta. Na peça, a camada de histeria coletiva das jovens que diziam lutar contra o demônio, é entremeada por comentários do autor, que situam o espectador na história e trazem certo tom épico à ação. Já na versão realista levada às telas em 1996 - com direção de Nicholas Hytner e protagonizada por Daniel Day-Lewis - fica faltando uma luz sobre a perseguição política do qual o próprio Arthur Miller foi vítima. O dramaturgo assina o roteiro desta adaptação, talvez em resposta a uma releitura anterior que o deixara descontente: Jean-Paul Sartre foi acusado por pesar a mão no apelo marxista que deu a sua versão de As Bruxas de Salém (Raymond Rouleau, 1957). Para fechar a trinca das produções analisadas nesta aula, assistiremos trechos da releitura de Alex Segal, de 1967.


11/10: Aula 3

Tennessee Williams: Actors Studio no palco e no cinema

Elia Kazan já tinha dirigido um jovem Marlon Brando na Broadway, na montagem de 1947 de Um Bonde Chamado Desejo. Anos mais tarde, quando sua visão ficou registrada no longa Uma Rua chamada Pecado (1951), os conflitos entre realizador - que apostava na memória emotiva - e ator - que preferia construir a personagem calcada em ações físicas - geraram o tensionamento necessário para imortalizar os diálogos de Williams. Brando tinha sua metodologia própria, observando o que estava ao seu redor e investindo na construção externa das formas físicas. Nesse sentido, uma dramaturgia de rubricas poéticas se mostrou material adequado para a partitura de ações desempenhada no palco e diante da câmera. Um Bonde Chamado Desejo contém verdadeiras descrições literárias, capazes de criar imagens que não necessariamente podem ser transpostas para a materialidade cênica: indicações sobre cores, perfumes e sonoridades que dão vida à história. A partir de trechos da peça e do longa de 1951, bem como da versão de Glenn Jordan (1995), poderemos analisar uma das principais obras da dramaturgia moderna.


18/10: Aula 4

Tennessee Williams: Rei das telas

Após o mergulho na obra de Williams, a partir de sua principal peça, poderemos seguir viagem rumo às diversas adaptações que tornaram a levar seus diálogos para a tela. A partir de meados dos anos 1940, Williams se consolida como um dos principais autores da dramaturgia moderna, criando personagens que foram deixados de fora do progresso capitalista, das relações de produção e da sociedade industrial do século XX. Seu olhar atento transcreve em poesia a decadência trágica do sul dos Estados Unidos. As falas coloquiais de seus personagens (que escondem tessituras complexas), os jogos psicológicos e a riqueza de ações descritas em suas peças fizeram de Williams um dos dramaturgos mais adaptados para o cinema. Neste encontro, poderemos analisar as estratégias e releituras de Gata em Teto de Zinco Quente (Richard Brooks, 1958); A Noite do Iguana (John Huston, 1964) e À Margem da Vida (Paul Newman, 1987).


25/10: Aula 5

Nelson Rodrigues na lente do Cinema Novo

No mesmo ano em que Arthur Miller soltava as bruxas no ar, Nelson Rodrigues via o Teatro Municipal do Rio de Janeiro apinhado para a estreia da sua A Falecida (1953). No Brasil, o dramaturgo fundou as bases de um novo teatro, com suas personagens suburbanas, diálogos repletos de gírias, coloquialidade e rubricas altamente descritivas que confessavam seu talento de cronista. O encontro de Nelson com o cinema é cheio de contradições. A começar pelo erotismo de suas obras, que ganharam cores explícitas nas telas mesmo durante a ditadura militar. Outro elemento curioso é o fato de suas principais adaptações pertencerem ao Cinema Novo. Mesmo alinhados com as pautas sociais de esquerda, realizadores como Nelson Pereira dos Santos (Boca de Ouro, 1963) e Leon Hirszman (A Falecida, 1965) encontraram no conservadorismo de Nelson Rodrigues espaço para se aproximar da vida como ela é, tão almejada pela estética neorrealista que perseguiam. De lá para cá, foram mais de 20 filmes realizados a partir de peças de um dos maiores dramaturgos brasileiros. Neste encontro, estarão em foco os longas realizados até a primeira metade da década de 1960.


01/11: Aula 6

Nelson Rodrigues anacrônico

Por retratar com tanta vivacidade a classe média carioca dos anos 1940 e 1950, Nelson corre o risco de tornar-se datado. As gírias, as roupas, as músicas, os tipos que povoam suas histórias remetem logo a um universo muito específico, rotulado com o selo rodriguiano. Nesse sentido, as adaptações posteriores se dividem entre aquelas que souberam jogar com o anacronismo e as que envelheceram logo na estreia, oferecendo releituras naturalistas que acabaram por vulgarizar a relação do dramaturgo com o cinema. Poderemos olhar para esta distinção em obras como O Beijo (Flávio Tambellini, 1965) e O Beijo no Asfalto (Murilo Benício, 2017). Analisaremos Toda Nudez será castigada (Arnaldo Jabor, 1973) - considerada a adaptação que melhor captou o estilo tragicômico rodriguiano -, além de investigar cenas de Os Sete Gatinhos (Neville d’Almeida, 1980) e Vestido de Noiva (Jofre Rodrigues, 2006). Os trechos da montagem Paraíso Zona Norte (dirigida por Antunes Filho em 1989) trarão outras perspectivas para a discussão.


08/11: Aula 7

Plínio Marcos - Violência entre contenção e excessos

O “autor maldito”, como Plínio Marcos se tornou conhecido, provocou nova revolução na dramaturgia nacional ao escancarar a vida de personagens marginalizadas e relações permeadas pela violência. A coloquialidade de Nelson Rodrigues foi radicalizada pelos palavrões vociferados por bandidos, prostitutas e cafetões que povoam as peças do escritor da baixada santista. Suas histórias carregam uma urgência afiada, com diálogos diretos, parcas rubricas e estruturas enxutas: poucos personagens, quase sempre confinados em um único espaço, por um período curto de tempo. Entre eles, pulsam as dinâmicas de opressão e um contexto social e econômico miserável. Esta economia de elementos poderia dificultar a transposição da força de Plínio Marcos para o cinema. Mas foi com uma mise-en-scène sóbria, de longos planos sequências capazes de valorizar o jogo dos atores, que Braz Chediak inaugurou a tradição de adaptações do dramaturgo maldito para as telas, em A Navalha na carne (1969). Muito diferente da versão dirigida por Neville d'Almeida (1997), que abraça o excesso desde a abertura, com direito a Carlinhos de Jesus sambando dentro de um terno de cetim laranja, ao lado de Vera Fischer no papel principal. No início dos anos 1990, a agonia financeira que enfrentava o cinema nacional levou o diretor iniciante Marco Antonio Cury a retomar a estética de Plínio Marcos, com locação única e elenco reduzido, em Barrela. Assim como na peça (1959), o longa se concentra em uma cela penitenciária. A exceção de breves flashbacks, toda a ação se dá através dos conflitos físicos e verbais travados entre os seis detentos que dividem o espaço.


22/11: Aula 8

Plínio Marcos - Violência atualizada

Plínio Marcos costumava dizer que o fato de suas peças se manterem atuais não é mérito de sua habilidade como dramaturgo, mas sim culpa de um Brasil que segue derrapando nas mesmas mazelas sociais. A atualização de uma violência sempre presente pode ser notada nas adaptações que estudaremos no último encontro. Em Dois Perdidos numa Noite Suja (Braz Chediak, 1970) são mantidos quase que na íntegra os diálogos do texto original (escrito na década anterior). Após a sequência de abertura que apresenta as personagens em relação com a cidade, o restante da ação se concentra em um quarto precário, dividido entre Paco e Tonho, e em seus jogos psicológicos de poder. Já na versão de 2002 (José Joffily), a questão da migração é atualizada no sonho de conquistar a América e os protagonistas são vistos, algumas vezes, em meio a uma Nova York nada receptiva aos latinos. O roteirista Paulo Halm acrescenta uma série de detalhes à dramaturgia, admitindo que foi preciso “trair bastante o Plínio Marcos, para respeitá-lo”. Para encerrar a análise das estratégias de adaptação de obras autorais, poderemos olhar para Barra Pesada (Reginaldo Faria, 1977) e Querô (Carlos Cortez, 2007), filmes inspirados, desta vez, em romance escrito por Plínio Marcos, em 1976. A tentativa é de compreender como o cinema pode se beneficiar do diálogo com diferentes linguagens que o precederam.

Professora Luíza Zaidan

Luíza Zaidan é atriz, diretora e professora de teatro e cinema. Sua formação inclui graduação em Artes Cênicas pela UNICAMP; pós-graduação em Documentário, na Università Roma Tre (Itália) e mestrado no programa de Multimeios da UNICAMP. Pesquisa o jogo do ator em diferentes formatos e as fronteiras móveis entre teatro e cinema; ficção e documentário.

Cursos anteriores realizados no Escola no Cinema:


  • Jogo e atuação no documentário de Eduardo Coutinho – online

Informações

Período

27 de setembro a 22 de novembro de 2021


Horário

Segundas-feiras, das 19h às 22h


Carga horária

24 horas em 08 encontros


Inscrições

atendimento@escolanocinema.com.br


Investimento

R$ 400,00 (à vista)


Vagas

30 pessoas (mínimo de 15 para a realização do curso)

Após o terceiro curso, realizado no Espaço Itaú de Cinema, desconto de 20% para pagto à vista:

R$ 320,00


Sócios do Clube do Professor, desconto de 35% para pagamento à vista:

R$ 260,00.


Se você é professor, aproveite e cadastre-se já para obter o desconto no próximo curso.


Aula avulsa:

R$ 60,00


• Os alunos inscritos no curso integral deverão solicitar a aula gravada, se necessário.


• Os alunos inscritos receberão uma solicitação de pagamento através do PagSeguro.

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